Monday, October 23, 2006

Afinal: Salida al mar (para Timo Berger)




água para afogar narciso
Camila do Valle

A última vez que disseram tê-la visto,
ela estava de sombrinha, xale e chapéu,
com um vestido longo, um batom escuro, e entrava na água.

A última vez que a vi,
sem sombra de dúvida,
ela falava muito. E gostava de mim.
Eu disse: “sem sombra de dúvida”.

Agora só a vejo nessa imagem que é dada a todos:
sempre a mesma versão,

silenciosa,
a entrar na água,
a barra da saia já molhada.
Dos seus pés não se via mais
Que a espuma das ondas que os cobria.

A última vez que a vi, percebi,
entre surpreendida e atraiçoada,
que ela estava no espelho.
E falava comigo.

O silêncio da outra imagem não é o que ela queria.

(foto André Monteiro)

Tuesday, October 17, 2006

sessão das 19:30 h

elza de sá nogueira


clarice e seu abismo.
o marido de clarice e seu abismo.
o menino etíope e seu abismo.
estão sós - três abismos.
mas tão juntos, os três!
duas horas e vinte minutos depois
clarice irá ao restaurante comer salmão grelhado com o marido
e o menino etíope estará na tela com seu abismo.
onde andará o ator?
e os meninos etíopes?
e a humanidade?

Monday, October 16, 2006

Traduções da Argentina (Camila do Valle)

(Cecilia Pavón)
Sem título
Durante um tempo fui outra pessoa,
escrevia junto à máquina de lavar.
Escrevia por escrever, sobre qualquer coisa, não importava o quê.
Escrevia sentindo que perdia o tempo,
Que tinha que me ocupar de uma criança ou que queria gritar
Em realidade escrevia porque nessa época eu pensava que queria mudar
Ou talvez porque sentia falta da bicicleta que me haviam roubado
Ou porque já não ia a festas
Ou porque não tinha trabalho
Na verdade: não sei
Quando a roupa terminava de ser lavada
Pendurava-a e observava-a gotejar.
Logo anotava:
“Muito melhor que ver televisão é fazer as tarefas da casa.”

(Washington Cucurto)
Entre homens
Sendo assim, francamente, Laércio Redondo,não entendo porque não podes jogar futebol.
O futebol é um esporte de homens doces.
O futebol é um esporte de homens que se querem com loucura.
O habilidoso é maltratado pelo bruto.
E o bruto morre por maltratá-lo com amor...
A vida é linda, Laércio.
No campo se impõe o bruto e o enamorado corre atrás dele.
“Vem e volteia-me, bruto zagueiro.”
Muitas vezes escutei dizerem isto entre homens.
Vi homens atirarem-se ao gramado para que outros se atirassem por trás,
é tão bonito o amor corrompido, proibido, escapado das pacaterias do mundo.
Coisas assim faz o amor para sobreviver e isso é tão lindo.
E assim, querido Laércio, o futebol é um esportede homens que se querem com loucura.
Pasolini o sabia bem e desfrutava,
era capitão de uma equipe de brutos adolescentes......
entre homens, no meio da rua;
o bruto e o habilidoso,
o abraço e o beijo do gol,
é como umamasso depois da poeira levantada.
Laércio, querido amigo, não te prives do melhor.
Tudo é melhor e mágico entre homens...

Wednesday, October 04, 2006

ecce homo totalmente mulherzinha

à prova de mim

Camila do Valle
passei a madrugada escrevendo, trebuchet. e trebuchet é o nome da letra que eu gostei:
amanheci para mim e para o mundo ao mesmo tempo: juro que é pura coincidência: pungente madrugada esta que acabo de passar, à prova de mim, escrevendo mensagens a toda gente, explicando, inclusive e muito especialmente, meu voto nessas últimas eleições e desafiando o medo, que só não aparece se eu estiver distraída. consegui uma prova de mim. já posso ir dormir tranqüila. boa noite, senhoras. boa noite, senhores. hoy como siempre: hasta la vitoria.

SECOS & MOLHADOS & ENTRELÍNGUAS

Camila do Valle
Fase seca

Hoje começo a escrever os poemas da fase seca.
As lágrimas que entornei formaram rios em terrenos de outrem.
Fiquei com os olhos secos e a pele começou a rachar.
Dizem que é a idade.
É mentira: pilharam do meu rosto, por pura inveja, todo o brilho e umidade.
Passei a escrever à faca,
Em qualquer superfície que apareça.
O meu corpo, que é a minha casa,
Passou a ser o tema.
Afinal, foi por aqui que entraram todos,
Passaram todos
E deixaram palavras a crescer.
À sombra da palavra recrudescimento,
Floresce o verbo estiolar.


Políticas y publicaciones (sí está lloviendo y es miércoles a la noche)
Me desarmo leyendo la lluvia lenta que cale gruesa sobre mi tormenta. Y mi tormenta ahora es un libro: solamente un montón de papeles mojados que trago en la mano: todo cuanto tengo. De mi acción muscular.
Me desarmo entre las sábanas de los diarios. Como si yo no pudiera (o quisiera) leer: y yo yéndome dormir lo más tranquila. Mientras tanto.
Me desarmo entre las sábanas públicas de los blogs y de las calles. Y no, sencillamente, entre las sábanas públicas de mi casa.
Me desarmo entre las sábanas de ayer: viernes a la noche y, sincrónico, martes plenamente.
Me desarmo (ya sabes: lo mismo de antes: esto es para ser un mantra) entre las sábanas que están en tu planeta. Que, merecidamente, es también el mío.
Me desarmo ante las estrellas y entre tus sábanas.
Y entre lo más concreto que esto es: lenguaje.
Me desdobro entre tus palabras que son mías.
Y oculto un frasco de estrellas vivas entre mis faldas y tus sábanas.